Então abri os olhos e não havia mais caos. A luz do Sol acariciava meu rosto e o cheiro úmido das folhas se aconchegaram em meus pulmões. Agora eu sabia onde estava e era bem longe de casa - se é que posso chamar assim. Meus pés tocaram a terra recém banhada pela chuva e afundaram
maciamente ao encontro de pedras, galhos finos e pequenos insetos que por ali passavam. Minhas mãos - ainda trêmulas por conta dos pesadelos - agarraram firmemente os braços de uma árvore anciã que existia antes do mundo ser criado. Ali permaneci, por longos minutos - que beiravam horas - até que meu coração desacelerasse o suficiente para que eu pudesse continuar.

- Bem vinda de volta, criança - uma criatura pequeníssima, do tamanho de um polegar, estava ali parada em minha frente. Não tinha sexo, era apenas o que era. Um serzinho com forma mais ou menos humana, olhos redondos e amarelados, seu nariz - espera, não havia exatamente um nariz - eram dois pequenos buracos que faziam o ar circular.
- Estou com a sensação de que as coisas nem sempre foram como são agora. - eu disse em resposta.
- As coisas estão como sempre estiveram. Tudo na mais perfeita ordem e caos. Pois, sem a ordem o caos não existe e sem este a ordem também não seria possível. E sem ambos, a existência não passaria de uma vã hipótese.
Eu realmente não estava compreendendo o que aquela coisinha estava tentando me dizer. Oras, a única coisa que eu queria era andar descalça na mata, deitar no chão e me sentir abraçada pela vida que pulsava naquele lugar. Como que lendo meus pensamentos, o pequenino continuou:
- Você estava lá e agora está cá. Chorou e agora sorri. Lembra-te de tuas dores, são elas que farão tua estadia aqui valer a pena. "Que caminho meus pés devem seguir?" - e finalizou cantarolando.

Elas estavam ali justamente para que eu não esquecesse. Cada marca representava uma angústia diferente. "Que caminho meus pés devem seguir?" - a pergunta que me fiz a vida inteira e nunca fui capaz de decidir de maneira lúcida o bastante para não doer. No final das contas, os pés escolheram seguir o caminho das pedras afiadas e acabou se machucando.
- Parece que finalmente se lembrou. Não chore criança. O que foi não tem volta. Teus pés te levaram por caminhos espinhosos e agora você descansa no seio da mãe. A existência humana é cheia de ilusões mascaradas de fama e poder. Todos vocês caem nos truques dela e todos vocês ganham marcas inapagáveis. Eu gosto de chamar essas marcas de Intuição, já ouviu falar? Faça bom uso agora que a terá em abundância.

Compreendi tudo. Eu morri. Meu corpo definhou em algum lugar sombrio da existência humana, todo machucado devido aos caminhos que meu pés escolheram. Agora eu estava na Floresta da Vida, a floresta que emana à todo tempo a Grande Canção da criação, era de lá que tudo nascia e era para lá que tudo retornava. Eu estava no meio da espiral. No fluxo eterno de vida e morte e vida e morte e vida. Tudo era vida e tudo era morte. Eu fazia parte do ciclo sem fim. E ali estava novamente para ser restaurada e então devidamente equipada de minhas marcas, ou Intuição como dissera o pequenino, para novamente renascer. Eu estou na espiral, eu sou a espiral e esta, compreendi, jamais terá fim.
Por: Jully Basilio
Ao som de: Eluveitie
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Que arte maravilhosa! Estou apaixonado pelo seu blog. É de muita inspiração e conhecimento. Fico feliz em ter lugares confiáveis assim na Internet. :)
ResponderExcluirFeliz estou eu de ler um comentário tão lindo desse ♥
ExcluirSeja muito bem vindo ao meu humilde cantinho, continuarei sempre postando algo novo por aqui ♥